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segunda-feira, 2 de março de 2009

A Vingança do Rei

 

 

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Rei D. Pedro I

Prefácio

Foi no ano de 1360, que os reis de Portugal e Castela (agora Espanha) fizeram um acordo que iria ter repercussões a nível da sua popularidade junto aos seus súbditos nos dois países.

Em Portugal reinava D. Pedro I, e em Castela também o rei tinha o mesmo nome e eram primos os dois reis, quando resolveram infringir as promessas feitas e proceder á troca de criminosos que se tinham refugiado nos seus respectivos países em fuga á justiça do país vizinho.

Dirão certamente que era justo, e ninguém pode afirmar o contrário, apenas D. Pedro I de Portugal tinha prometido ao seu pai D. Afonso IV, falecido há três anos, que não se vingaria e tinha perdoado aos assassinos de Inês de Castro.

Mas a ferida não se tinha fechado no seu peito, nem tal seria alguma vez possível, sabemos agora, que nem em vida e nem depois da morte de ambos.

Assim, naquele dia no seu paço real em Santarém, que desde o tempo de seu pai, era a capital do reino, esperava impaciente notícias da embaixada que se tinha deslocado até á fronteira do país vizinho para proceder á troca dos fidalgos espanhóis que tinha acolhido e que agora entregava á justiça de seu primo, em troca dos responsáveis apontados como os assassinos da mãe de seus filhinhos, agora órfãos.

O paço real tinha sido edificado junto á porta de Leiria, por onde se entrava na capital, chegando do norte do país, dos territórios outrora conquistados por seus avós, e dessa linda cidade de Coimbra, onde repousava a sua amada amortalhada, e as lágrimas choradas tingidas de sangue tinham originado nascentes cujo leito seria para sempre rubro como o sangue derramado de uma inocente amante.

Saudade, essa palavra que desde esse dia 7 de Janeiro de há cinco anos, tinha um significado pungente de raiva, amargura e eterna dor no seu peito, uma solidão, um vazio que nunca seria preenchido até ao dia do Juízo Final e que para sempre iria exprimir o sentimento de todo um povo.

I Capítulo – A aia da rainha

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D. Inês de Castro

Tinha sido há vinte anos atrás, quando a pobre rainha D. Constança tinha chegado ao reino, em resultado de acordos reais, destinada a ser a sua esposa e a mãe do príncipe herdeiro do trono de Portugal, que tinha cruzado pela primeira vez o seu negro olhar com aquele outro verde e luminoso que sem temor sustentou o seu.

Era o dia do seu casamento e ao subir as escadarias da Sé Real, ao encontro da sua noiva que sem vontade iria desposar para cumprir a vontade do seu severo pai, o Rei D. Afonso IV, a sua vista foi atraída pela bela aia de sua noiva, de cabelos louros que lhe caíam graciosamente em cachos derramados pela altiva cabeça e emolduravam o esbelto pescoço, que sobressaía de um busto donairoso a que o corpete de alvo linho modelava em formas expressivas.

O seu nome era Inês de Castro e era filha bastarda de um nobre fidalgo espanhol e de uma senhora portuguesa com quem o senhor tinha tido um caso amoroso.

Quando a bela donzela ousou levantar o olhar curioso para olhar o príncipe português, um luminoso raio esmeralda desfechado em direcção certeira ao coração compungido de amores contrariados, do impetuoso príncipe, não passou despercebido aos fidalgos e curiosos reunidos e logo vozes sussurradas se ouviram agourando desgraça.

Efectivamente de regresso á corte reunida em Coimbra, a bela cidade residência real desde os tempos de D. Afonso Henriques, os murmúrios não se calaram, antes os apaixonados os alimentaram com os seus comportamentos que mesmo conhecedores da impossibilidade daquele amor, não faziam questão de esconder.

Vivendo no mesmo palácio, ocasiões não faltavam para se encontrarem, e os passeios pelas verdejantes e bucólicas margens do Mondego, eram constantes, e mesmo sabendo da impossibilidade daquele amor, pois que além do príncipe ser casado, eram os dois primos, parentesco que naqueles tempos impossibilitava uma relação mais íntima, considerada incestuosa e contrária ás leis da Igreja, em breve era conhecida de todos no paço e alastrando pelas vilas e aldeias do reino, que D. Pedro e D. Inês de Castro, mantinham uma relação de amantes, imoral e ilícita.

II Capítulo – Finalmente juntos

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Casamento Secreto

Enquanto os dois apaixonados viviam o seu amor indiferentes a tudo, a pobre rainha legítima esposa, D. Constança, deu á luz o seu primeiro filho a quem chamarão D. Fernando, e que irá herdar o trono.

Aconselhada pelas suas damas, resolveu convidar para madrinha, D. Inês de Castro, que além de dos factos já explanados, ficaria assim com mais um laço de parentesco que naqueles tempos, reforçava a proibição, próxima do incesto, daqueles laços de amor entre os dois amantes.

Ao ouvidos do velho Rei D. Afonso IV, também já tinham chegado os rumores daquele amor proibido e a solução encontrada, foi desterrar a apetecida amante do príncipe para o lado de lá da fronteira espanhola, no castelo de Albuquerque, junto á raia alentejana, longe do seu amor, para assim promover o esquecimento daquele afecto escandaloso.

No entanto, continuaram a trocar correspondência sendo as cartas transportadas pelos almocreves, os negociantes daqueles tempos que iam de terra em terra, vendendo azeite e outros produtos da lavoura e eram os correios secretos, para o Rei não ter conhecimento que as suas ordens não eram inteiramente cumpridas.

Entretanto a rainha definhava com falta de amor, e preocupações crescentes, enquanto o príncipe se ausentava nas suas caçadas pelos montes e promovia touradas junto ao mar em Peniche, para matar o vazio sentido pela ausência de quem amava mais que a si mesmo.

Até que ao dar á luz o seu terceiro filho, no ano de 1354, a pobre rainha enfraquecida pelos desgostos, morre, deixando livre o caminho para uma vida em comum aos dois amantes, pelo que o príncipe sem hesitar, de imediato manda vir a sua amada para junto de si, enquanto o seu pai, fica na corte em Lisboa e o seu filho herdeiro é criado fraco e débil junto aos avós.

Primeiro em Moledo, em seguida noutros locais, depois fixando residência no paço da Quinta de Santa Clara em Coimbra, os dois amantes gozam do seu amor intenso e da sua felicidade descuidada, sem pensarem que o seu amor teria um preço demasiado alto a pagar em troca de tanta felicidade e paixão que já é abençoada com a presença dos seus três filhinhos, D. Afonso, D. Dinis e D. Beatriz, que nasceram sãos e perfeitos, ao contrário do débil príncipe herdeiro D. Fernando.

III Capítulo – A sentença fatal

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Julgamento de D. Inês

Assim, vão vivendo, indiferentes á opinião do rei e dos seus conselheiros, que vêm em D. Inês de Castro uma ameaça cada vez maior á independência do reino, devido á crescente influência da sua família junto a D. Pedro, já que seus irmãos eram fortes candidatos á coroa do país vizinho e tentavam influenciar o príncipe a juntar-se a eles na luta, que se fosse funesta aos seus interesses, podia arrastar o país para um guerra desastrosa e até para a perda da sua soberania.

Acresce o facto do príncipe D. Fernando, poder ser mandado assassinar para dar lugar aos filhos escorreitos e saudáveis de Inês, como os avisados conselheiros anteviam, com ou sem razão.

Então convencido pelos seus conselheiros, o velho Rei deixou-se persuadir que a única culpada de tudo era D. Inês e que a solução seria eliminá-la pela morte, apagando assim a sua influência junto ao príncipe.

Naquela triste manhã de 7 de Janeiro de 1355, estando D. Pedro ausente nas suas caçadas, o Rei D. Afonso IV e Pedro Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco dirigiram-se a Coimbra e sem se deixarem comover pelo súplicas da pobrezinha que rodeada pelos seus filhinhos, pedia clemência, se não para ela, pelo menos para não deixar seus infantes órfãos, executaram a cruel sentença, da aplicação da qual no entanto, o Rei já hesitava, mas não teve forças para mudar o curso do destino.

Os conselheiros temendo a fúria de D. Pedro fugiram para Espanha e o príncipe louco de dor, revoltou-se contra o pai e acompanhado pelos irmãos de D. Inês, cercou a cidade do Porto onde este se encontrava, com o seu exército, jurando vingança contra o seu progenitor.

Valeu a intervenção da sua mãe a rainha, para promover a paz e o perdão entre os dois, mas apenas na aparência o pobre príncipe se aquietou, pois que dois anos depois quando sucedeu a seu pai no trono, por morte deste, logo começou a congeminar os planos da vingança que tinha arquitectado em longas noites insones, de lágrimas e negro desespero que moldaram o seu carácter de jovem apaixonado e justo, em um rei cruel que aplicava a justiça aos seus súbditos como se todos fossem culpados da dor que lhe dilacerava o peito, como consta nas crónicas daquele tempo e que chegaram aos nossos dias, para relataram as lutas e vinganças do pobre príncipe louco e desesperado.

IV Capítulo – A vingança do Rei

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Morte de D. Inês

Assim quando no início do ano de 1361 chegaram finalmente a Santarém, dois dos assassinos da sua sempre chorada amante, Pedro Coelho e Álvaro Gonçalves, já que o terceiro avisado por um mendigo que seria procurado ao voltar a casa na cidade espanhola onde vivia, fugiu para França disfarçado de mendigo e assim escapou á sentença de morte contra si jurada por D. Pedro, El-Rei saiu ao encontro da comitiva que trazia sob prisão os dois odiados conselheiros.

Consta que um deles, Pedro Coelho teria sido até seu professor e aio de criação, pelo que os laços que os uniam eram fortes e íntimos, o que talvez apenas servisse para refinar mais a mágoa e o ódio ilimitado do agora Rei D. Pedro.

Começou por os interrogar sobre os motivos da morte de Inês, mas como nada conseguisse saber, além daquilo que era já por demais conhecido, sobre as razões patrióticas invocadas, teria pedido ao seu cozinheiro:

- Trazei-me azeite, cebola e vinagre que vou comer este coelho!

Então ordenou a sua morte, mas com tal crueldade que a um mandou que lhe fosse retirado o coração pelas costas e a outro pelo peito, pois que a pessoas sem coração como eles de nada lhes servia!

Em seguida mandou o seu cozinheiro preparar e servir-lhe os corações e levou a dor ao extremo de os trincar num acesso de raiva e dor sem limites pela perda da sua amada Inês!

Depois mandou queimar os cadáveres e ainda lançou uma maldição sobre a terra natal de Pedro Coelho que mandou salgar, para ficar para sempre estéril!

Estes acontecimentos tiveram lugar em Santarém, no paço real onde mais tarde sobre as suas ruínas, foi construído um convento e Igreja que ainda existem e que serviram para Colégio, ou Seminário de formação de padres, pelo que hoje se chama a Igreja do Seminário bem como o largo em frente, e alguns vestígios do antigo paço real ainda se conservam no seu interior, nomeadamente o postigo em pedra, da sacada onde recostado D. Pedro teria assistido ao macabro espectáculo.

Epílogo

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Túmulo de D.Inês

Seguidamente D. Pedro apresentou testemunhas de que teria casado secretamente com D. Inês que assim seria sua esposa legítima, assim como os seus filhos legalizados por tal união teriam os mesmos direitos dos outros filhos nascidos do casamento com D. Constança.

Mandou construir um magnífico túmulo em fina pedra lavrada que foi colocado no Mosteiro de Alcobaça, mandado erigir pelo seu antepassado D. Afonso Henriques em cumprimento de uma promessa sobre a reconquista de Santarém aos mouros, e ordenou que D. Inês fosse retirada da sua campa, e coroada rainha e perante toda a corte reunida, obrigou a que todos lhe prestassem vassalagem beijando-lhe a mão, e reconhecendo-a legítima rainha de Portugal.

Um impressionante cortejo fúnebre se formou e acompanhou-a ao longo de vilas e aldeias até ao Mosteiro de Alcobaça, onde foi finalmente sepultada aquela que depois de morta foi rainha, como a descreveu Camões nos imortais Lusíadas.

Sete anos mais tarde, D. Pedro juntou-se á sua amada, quando da sua morte, tendo sido sepultado no outro túmulo que para si havia também mandado talhar e que ficou de frente para o de Inês, para que segundo suas ordens, quando ressuscitassem no dia do Juízo Final, ao erguerem-se pudessem de imediato ver-se.

Nos dez anos do seu reinado, D. Pedro não voltou a casar, sofria de insónias terríveis que tentava colmatar com festas nocturnas pelas ruas de Lisboa, acompanhado do povo de quem era querido e amado.

Um dos seus maiores prazeres era fazer aplicar a justiça, fosse quem fosse o faltoso, de ninguém tinha misericórdia, tal como não tinham tido com a sua Inês, por isso ficou conhecido como D. Pedro I, o Justiceiro ou Cru.

Por: Arlete Piedade - Santarém – Portugal - 16/09/2006

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